segunda-feira, 30 de novembro de 2009

CADÊ A SAÍDA?



Contou-me uma amiga que, desde pequena, ao se enredar numa frustração, ou diante de algum problema sem imediata solução, levava as mãos aos cabelos – alisava, ajeitava, enfeitava. E o faz até hoje. Além dos cuidados com os seus cabelos, devora barras de chocolate e assiste punhados de desenhos animados.

Barão de Munchausen é um personagem de aventuras em que o herói realiza façanhas pra lá de impossíveis do ponto de vista da normalidade e da compreensão lógico-racional. Numa das aventuras o barão, montado em seu cavalo, depara-se afundando num pântano de areia movediça. Está perdido, pois não pára de afundar. Nisso o barão é iluminado pela seguinte idéia: puxar-se pelos próprios cabelos e, assim, sair do buraco em que afundavam, ele e o cavalo.

Em filosofia esse recurso é visto como um problema lógico insolúvel, uma situação em que não há saída. Por exemplo, ao apresentarmos a defesa de uma idéia e, para isso, recorremos a uma premissa absurda – porque não tem sustentação lógico-racional.

Todo o dia, desde crianças, engolimos frustrações, porque vivemos o jogo de estímulos e apelos constantes para desejarmos ter alguma coisa, (e a sua relação com um ideal de felicidade – identificar-se com os objetos de consumo), e a negação disso tudo, tendo em vista nossa condição social e existencial. Nesse jogo entre oferecer e negar, vamos empilhando frustrações.

Diante dos nãos que a vida e a sociedade nos dão, é preciso buscar saídas. E a maioria, em vez de buscar uma luz em si mesma, volta-se para o exterior. Uma religião, grupo de boêmios, drogados ou, até, nos medicamentos (faixas pretas).

Com certeza, a literatura serve como grande auxílio para fortalecer nosso eu. Os grandes textos, romances, poemas etc., com seus personagens (heróis, vilões), bem como os valores que estão em jogo, vão fortalecer os alicerces de nosso eu interior. Assim estaremos melhor preparados para enfrentar tsunamis e tempestades.

Podemos alisar os cabelos, ficarmos horas diante do espelho, ou sonhar com saídas absurdas para nossos problemas. Mas eles, os problemas, vão e voltam. Por isso necessitamos fortalecer nossas defesas. Que tal um bom livro na cabeceira da cama, em vez de caixas de remédio em cima da cômoda?

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

MENTIRAS E MENTIRAS

Dia desses meu filho, Giovanni, fez o seguinte pedido: queria que eu fosse campeão ou, ao menos, um dos melhores jogadores no campeonato de pais do colégio onde ele estuda.
Com o passar dos jogos, vendo a dificuldade de nosso time vencer (foram 3 derrotas e 2 vitórias), ele frustrou suas especativas. Agora quer que eu conquiste, pelo menos, uma medalha. Para me motivar, o Giovanni dizia:
- Você joga bem, cara! - Força! Você pode!
Diante da dura realidade de atleta, a vontade que tive era de jogar video-game. Nos jogos virtuais escolhemos o grau de dificuldade e, sendo assim, podemos vencer a maioria das competições. Nos jogos de brincadeira, libertamos a imaginação, e aí erguemos taças, colecionamos medalhas.
Tenho consciência da decepção de meu filho, e fico chateado ao saber que ele criou alguma espectativa, com relação à minha performance na quadra. Joguei bem dois ou três jogos, fiz um golaço no ângulo, chutando a bola de voleio, do meio da quadra. Confesso que até me iludi, achando que poderia ser um dos melhores do campeonato, e beliscar, quem sabe, uma vice-artilharia.
Agora que o campeonato terminou, fico matutando: no que uma criança pode confiar, com relação às promessas dos adultos?
Com nove anos, Giovanni habita vários mundos. O de verdade e o de mentirinha. Mundos do brincar, jogar, fingir, teatralizar, etc., etc. Mesmo que, ao brincar, ele esteja criando outros mundos - mais ricos e mais belos, porque cheios de possibilidades e invenções, se comparados ao mundo real -, ele sabe a diferença entre realidade e imaginação.
Confesso a vocês que estou superando minha ignorância a respeito da "inocência" que as crianças têm das coisas. Elas imaginam, fantasiam, brincam, mas sabem diferençar as "mentirinhas" da mentira. Ao se defrontarem com a última, elas se sentem magoadas e angustiadas.
Sabedor disso, desde o início do campeonato tratei de dizer a meu filho que era um dos mais velhos, dentre os jogadores, que estava fora de forma e acima do peso, e biriri bororó...
Mas o pior de tudo é que construí a convicção (mentira?), para mim mesmo, de que no próximo campeonato de pais do colégio vou baixar o peso e estar em forma. E, é óbvio, vou ser um dos melhores e, quem sabe, vice-goleador.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

FRUTA NO PONTO - Roseana Murray

Às vezes dá vontade
de agarrar a vida
com uma duas
dez mãos
e levar à boca
e trincar nos dentes
como uma fruta
no ponto

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

FEIRA DO LIVRO - Campos Borges/R.S.

Sábado, 21/11, tive a oportunidade de conhecer um pequeno município - Campos Borges, pertinho de Espumoso. Já estou com vontade de retornar por lá. Não pelo espaço geográfico em si, mas principalmente pelas pessoas que lá moram.

Era feira municipal do livro, durante todo o dia de sábado, e a comunidade participou com entusiasmo. Na escola muicipal Menino Deus,houve uma programação diversificada, como a mostra de trabalhos produzidos pelos alunos desta escola e da escola estadual do município, além de dança e teatro.

A maior surpresa de todas foi o grupo de dança de Espumoso, Alexandre Tramontini. Patrocinado pela prefeitura municipal de Espumoso, o grupo soma 17 anos de atividades, apresentando-se em vários regiões do R. S.

Mais de duas horas de apresentação, cerca de vinte números - vinte coreografias e figurinos. Houve um desfile de gêneros musicais, de épocas e de vários lugares do mundo.

O sentimento e a constatação que tive, no final da feira, é de que a beleza não aparece apenas nos programas de TV, no cinema ou na propaganda. Grupos como esse da Escola Alexandre Tramontini, com sua criatividade, talento e esforço, nos presenteiam com lindas obras, que muitos de nós, muitas vezes, não percebemos, ou pouco valorizamos, só porque nos acostumamos (e nos viciamos) a prestar atenção àquilo que vem de fora.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

PERGUNTINHA

Você já se perguntou sobre quanto tempo dura a vontade de mudar, depois de ter assistido um filme que te tocou? Vale para um livro, uma peça de teatro, uma música, ou um fato que vivenciamos na rua.
É difícil travar uma guerra constante com a rotina.
Filmes, de vez em quando, nos lembram de como são importantes as surpresas. O ineperado, imprevisível, são estímulos que ajudam a evitar que atrofiemos nossa inteligência e sensibilidade.
Com relação aos filmes, nos emocionamos quando nos deparamos com cenas com se parecem com os acontecimentos de nossas vidas.
Marley e eu é um filme americano que conta uma história de família - o casal e os filhos que vão nascendo e crescendo, e sua relação com o cachorro (Marley), um labrador de quase 50 quilos. Podemos nos identificar, tanto com o pai, a mãe, ou com o cachorro.
Não, ele não é o narrador, apesar de ser um importante personagem na história. Quem narra é o pai, um jornalista que teve a oportunidade de de assumir uma coluna de jornal como interino, e o faz muito bem.
Nesses textos diários ele narra, de maneira divertida, seu dia-a-dia, sendo que Marley é lembrado em quase todas as colunas que ele escreve.
A vida do cachorro, e o seu lugar na família, aparece pela ótica do tempo: desde sua infância, até sua velhice e morte.
Seu lugar e importância, junto à família, é bem nítido no final do filme, na hora da despedida, por conta de seu sepultamento (e despedida).
Essa foi a deixa que me levou a perguntar: se eu me for (e vale o mesmo para você), quantos vão sentir a minha falta?

domingo, 15 de novembro de 2009

OUTROS LADOS



Na cachoeira dos teus olhos

havia dois lados.


Num deles um raio de sol

no outro um arco-íris molhado.


Conheci você de verdade

quando percorri os teus outros lados.


Dormiam lagos de lágrimas serenas

que não suportavam ser acordados.


Na cabeceira dos teus olhos fiz meu ninho.

Mas ninguém te avisou que por lá

alguém havia repousado.


sábado, 14 de novembro de 2009

PAUSA

O nome estava sobre a mesa, junto a livros, recortes de jornais e anotações que faziam o papel de agendas.

Era vendedora de loja de artigos esportivos. Se comprasse o tênis, ela ganharia comissão.

Não sou de retornar a um compromisso, rabo entre as pernas, cumprir uma promessa qualquer. Vencem os apelos de tantos novos acontecimentos.

Não joguei nome e cartão no lixo porque o prazo de validade não estava vencido. Ou foi uma distração, como juntar à velha agenda mais um novo endereço.

- Quem sabe um dia não vá precisar?

- Quem sabe...

Mas o tempo é cruel e nos faz esquecer, ou embaralhar as peças, fazendo a tranqüilidade de nossa engrenagem emperrar.

Aprendi a usar o controle remoto. Conheço a função da tecla “pause”.

A memória, seu nome, os compromissos, todos, todos estão salvos.

Salvo, eu quero dar muitos abraços, os sentidos a cento e vinte por hora.

Sem raiva, rancor e obsessão pelo progresso.

Quero assoprar as brasas das experiências. Não deixar as cinzas tomarem conta de tudo.

A pausa é o intervalo que aguarda o “play”.

Entre pauses e plays, quero manter o controle (remoto) de mim mesmo.


quarta-feira, 11 de novembro de 2009

MAQUETE DOS SONHOS



Carrego comigo

a maquete dos sonhos.


Tem praças, prédios e avenidas

calçadões e clarões

que se abrem entre os edifícios

para conversar com as estrelas.


Minha cidade maquete

é o abraço de mãos,

pensamentos e coração.


E nela cabe

jardins e canções

donzelas nas janelas

bancos espalhados entre as sombras

para os velhinhos conversarem.


Cabe mais uma rua

casa

escola

morro

placa

praça

bosque

riacho

o sino da capela

a tocar


cabe tudo quanto

você poça imaginar!


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Estatutos de um Novo Mundo para as Crianças - Miguel Sanches Neto



Artigo 1 - Fica criada a semana de três dias – sexta, sábado e domingo. Sexta será para a escola, no sábado e no domingo a gente folga.

Artigo 2 - Decreta-se o fim das fábricas de armas, tanques e outras porcarias de guerra.
Estas indústrias produzirão brinquedos e jogos em que a luta seja disputa amistosa.

Artigo 6 - Fica proibida a circulação de dinheiro, as coisas valerão o que elas são, e uma será trocada pela outra na grande praça a ser criada no centro e em cada bairro da cidade.

Artigo 7 - Fica decretado o fim das cercas, muros, portões, estacionamentos e edifícios comerciais.
Parágrafo único: No lugar de prédios imprestáveis serão plantados parques.

Artigo 8 - Toda cidade fica obrigada a ter pomares públicos, para que se possa subir em árvores e colher frutas.

Artigo 9 - Proíbe-se a entrada de carros nas cidades, eles permanecerão do lado de fora, como cavalos mansos, esperando a hora das viagens.

Parágrafo 1: Nas ruas só será permitido andar a pé ou de bicicleta, skate, pônei e patins.

Parágrafo 2: Todas as avenidas deverão ter canteiros com árvores, bancos, pássaros e, se possível, pingüins.

Artigo 10 - Fica permitido que qualquer criança dê sua opinião e que ela tenha tanto valor quanto a de um ancião.

Artigo 11 - Ficam esquecidas, a partir de hoje, as formas chatas de escrita (decretos, redação escolar, discursos); todo texto terá que ser música.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

SIMULTANEIDADE - Mário Quintana



- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!

- Você é louco?

- Não, sou poeta.

sábado, 7 de novembro de 2009

VAMPIROMANIA



Se ela surgisse

vertendo sorrisos

desfiando a roupa

e cheia de planos


se me vasculhasse

tintim por tintim

com desejo ardente

de uma adolescente


se fosse vampira

que reaparecesse

a cada cem anos

pra sugar minha vida

com afiados caninos

bebendo meu sangue

fazendo tintim

com seu canudinho

e rindo de mim


chutaria o destino

pra tê-la comigo

lambendo meus sonhos

e rindo assim


se ela não fosse

vampiromaníaca

eu daria o fora

sem me despedir


e não me importa

que o monstro ou deus

agora se zangue

e suma pra sempre

e nunca mais faça

a coleta de sangue.


sexta-feira, 6 de novembro de 2009

FEIRA DO LIVRO DE IJUÍ










Na tarde de quinta-feira, 05 de novembro, junto à feira do livro na Praça da República, proporcionamos para as crianças de escolas de Ijuí momentos de contação de histórias e oficina de poesias. Num primeiro momento, que chamamos de Histórias que o povo conta, contamos histórias extraídas da cultura popular brasileira, como O macaco e a boneca de cera, livro de Sônia Junqueira e, na seqüência, O macaco e a velha, que é uma outra versão com os mesmos personagens(dentre muitas de outras versões de nossa tradição cultural). Também a história do escritor brasileiro Ricardo Azevedo, A tartaruga e a fruta amarela.

Num mundo repleto de individualismo, e também do imediatismo e velocidade que a tecnologia nos proporciona, retomar a cultura popular é valorizar a experiência coletiva. É isso que defendemos, através da contação de histórias: reconstruir o discurso coletivo. Principalmente para não sermos tragados e engolidos pelo mundo virtual. Enquanto que o tempo da cultura atual é o do imediatismo, do instante, a cultura popular nos coloca em tempos de longa duração.




Num segundo momento, desenvolvemos declamação de poemas, principalmente dos poetas brasileiros, Sérgio Capparelli e Ricardo da Cunha Lima. Ler poemas em voz alta não é bem ler: ao fazer isso, exploramos seu ritmo, sua musicalidade, com ouvidos bem atentos, e assim a experienciamos com mais profundidade.




A poesia está no cotidiano, e passa pelos nossos olhos e ouvidos. Está no lúdico, na alegria, nos brinquedos, na corporeidade. Isso as crianças vivem, diferente dos adultos que acham que poesia é algo difícil, distante. Nosso objetivo, com essas oficinas, é redescobrirmos a poesia que há na vida.






A contação de histórias que apresentamos na feira do livro de nosso município decorre do projeto que desenvolvemos na escola IMEAB (Instituto Municipal de Educação Assis Brasil). Nesta escola, desenvolmemos 28 horas semanais, junto a turmas da pré-escola até quarto ano, intitulado A hora do conto.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Paulo Leminski - do livro Caprichos e relaxos



Amor, então,

também, acaba?

Não, que eu saiba.

O que eu sei

é que se transforma

numa matéria-prima

que a vida se encarrega

de transformar em raiva.

Ou em rima.

domingo, 1 de novembro de 2009

PAPUDOS



Onde moro
os grilos falam mais alto.

Não sei se festejam
não sei se reclamam
não sei se me enchem de vida
não sei se me enchem o saco.

São grileiros papudos
que fizeram um pacto
com Deus ou com o diabo.

Mas que incomodam, incomodam!

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...