quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

TELÓ, O GALO DA DISCÓRDIA


O jornal Zero Hora dos dias 24 e 25 de janeiro me despertou a atenção com as reportagens sobre o galo que “semeia a discórdia” no município de Capão Novo, no litoral gaúcho. O galo acorda veranistas, cantando de madrugada. É adorado por uns, detestado por outros.
A gauchada diverge, ao opinar sobre o destino do galo: degola, exílio, ou mantê-lo no seu posto, como o “rei do galinheiro”?
O episódio do galo de Capão Novo me leva a pensar nos argumentos pró e contra o “fenômeno” Michel Teló. Há tempos, por causa de outros fenômenos midiáticos, os argumentos se repetem: uns dizem que gosto não se discute. Outros dizem o contrário. Aqui eu lembro de uma frase, mais ou menos assim: “Gosto é gosto, dizia uma velhinha comendo sabão”. Os que a usam (ironicamente) pretendem mostrar que também para o gosto em arte há critérios que nos ajudam a identificar o que é ou não mais interessante para alimentar nossa alma - alimentar a alma porque não creem que curtir música, cinema, literatura, etc. seja apenas diversão ou passatempo.
Mas como a velha pode saber que existem outros pratos, sabores, temperos, etc? Como vai ter ampliada sua capacidade de escolher, se os seus sentidos (ouvidos, olhos, olfato, tato...) nunca experimentaram gostos diferentes?
Para mim, é fundamental termos a possibilidade de exercitar o “método” de comparação. Isso provoca nossos pensamentos. A coitada da velhinha nunca provou outros vinhos, queijos, temperos, iguarias. Esse é o dilema: se dependermos da mídia (generalizando), talvez não consigamos aperfeiçoar nosso gosto, já que ela nos pega, em muito, pela repetição. Tum tum tum o dia todo, nosso ouvido vai ter mais dificuldade de reconhecer (e de ter prazer) com o ruído da cascata, o burburinho do riacho, o canto do sabiá, do galo... Todos sabemos que, se ficarmos ouvindo uma betoneira numa construção, com o tempo aquele ruído vai se agarrar a nossos pensamentos, vai ser a trilha sonora da nossa mente por algum tempo.
Mas podemos “desligar” esses cantos de galo que consideramos indesejáveis. No caso do que ouvimos em música, basta usar o controle remoto da TV, trocar de estação de rádio, trocar o CD, DVD, etc. E, se quisermos tornar nosso ouvido mais eclético, basta ter curiosidade, pesquisar, conversar com as pessoas...
Por falar em galo, eu não me emancipei do canto dos galos na minha infância simples, no interior. Cresci e descobri outros sentidos para esse canto. Um deles foi na poesia de João Cabral de Melo Neto. Comecei então a tomar contato com a poesia e suas metáforas. O professor de filosofia Paulo Schneider me apresentou, quando fui seu aluno na UNIJUÍ, o poema “Tecendo a manhã”. Vou reproduzir aqui um parte dele:

Um galo sozinho não tece uma manhã:
Ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que amanhã, desde uma teia tênue,
Se vá tecendo, entre todos os galos (...).

Nas aulas de filosofia, o professor questionava a nós, seus alunos que ainda acreditavam em mudar o mundo: o canto de um galo desperta outros galos para quê? Para a emancipação humana. A tomada de consciência de nossa vida coletiva. O canto do galo pretende fazer eco na cabeça de outros galos, despertá-los para aqueles interesses que são coletivos. Neste sentido, gostaria que nosso canto de galo não se contentasse apenas com diversão, curtição, entretenimento, mas que também carregasse consigo o desejo de uma sociedade melhor.

Nostalgia. O galo de nossa infância cantava quando clareava o dia. O galo de Capão Novo canta às duas da madrugada, às quatro e às seis, diz a reportagem de Zero Hora. Ele se comporta assim porque está estressado, vive a competição de outros galos, já não é dono do galinheiro, precisa demarcar território... Quanto tempo vai demorar para esse galo ter empresário, site, marca registrada, enfim, uma máquina trabalhando para sua marca? Na indústria cultural é assim: hoje temos Teló, daqui a alguns meses será outro. É assim há décadas. Por isso se chama “indústria”. Ninguém é inocente.

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...